24 de maio de 2015

Impressões sobre uma certa cena de 'Game of Thrones'

Está um pouco tarde para isso ser postado, mas acho que nunca é tarde para se dar sua opinião quanto a um assunto de grande importância e ainda mais quando está dentro dos temas tratados no blog. No domingo passado (17), a HBO exibiu o episódio S05E06 da série Game of Thrones, chamado ‘Unbowed, Unbent, Unbroken’, o qual é um episódio espetacular, mas que mesmo assim fez brotar uma revolta em boa parte do público de espectadores. A cena final do episódio mostra a personagem Sansa (Sophie Turner) sendo estuprada em sua noite de núpcias pelo marido, Ramsay Bolton (Iwan Rheon).


Vou tentar elaborar esse post detalhando minha posição quanto a tudo isso, dando minha opinião para que não pareça que sou a favor da prática do estupro. Eu, como espectador, leitor e grande admirador do trabalho que David Benioff e D.B. Weiss estão fazendo ao longo desses 5 anos, senti que aquela específica cena (o estupro implícito) conseguiu salvar esses episódios lançados da monotonia. É notável que essa nova temporada não está com a mesma qualidade das anteriores. Talvez por eles estarem criando toda a atmosfera para só então explodirem as coisas.

HBO é conhecida por cenas quentes de sexo e muito sangue, em suas séries e até em telefilmes. As Crônicas de Gelo e Fogo já é uma série bastante sanguinolenta, brutal e gráfica. Os produtores conseguiram captar e transportar tudo de maneira única para as telas, disso não podemos negar – alterações são necessárias sempre, em qualquer adaptação. O argumento de que estupro é comum no tempo medieval pode ser clichê (um dos principais alvos de estupros eram donzelas solteiras¹), mas ainda assim é válido. O estupro era comum naquele tempo e ainda hoje não deixa de ser (em 2012, o número de estupros superou o número de homicídios dolosos²).

Falando como uma pessoa que se sentiu extremamente comovido pela cena (a achei de repugnância ímpar), acho que ela caiu como uma luva para o arco de Sansa. Vamos falar sobre narrativas agora, deixemos o lado social de lado por um instante. Muitas pessoas (diretamente relacionadas com grupos feministas ou não) afirmam que Game of Thrones é quase como se fosse contra as mulheres, mas estes se esquecem que as mulheres da série aparentam serem mais fortes que os homens. Para exemplificar tal afirmação temos Melisandre de Asshai, a Sacerdotisa Vermelha, uma feiticeira poderosíssima que está pessoalmente relacionada às conquistas de Stannis Baratheon até agora; temos Brienne de Tarth, uma espécie de nova Mulan, já que ela era a única mulher no exército do rei Renly Baratheon, participando de sua Guarda Real, além de ter protegido o Regicida em vários momentos, se abrindo para ele como uma mulher frágil por trás de todo aquele metal; Arya Stark, o sinônimo de bravura, uma menininha que está aprendendo a ser uma assassina e que se tornou uma mulher muito antes do tempo. Sem contar Cersei Lannister, Margaery e Olenna Tyrel, Catelyn Stark, Daenerys Targaryen, etc. Resumindo, essa “guerra contra as mulheres” que Game of Thrones, supostamente, trava, é um pouco falha e controversa.


Expondo isso e expondo também o fato de Sansa ser uma personagem que tem a cabeça voltada para as canções de guerra (onde um cavaleiro de armadura brilhante e montado num corsel branco irá resgatá-la de toda a sua desgraça) e que tem um amadurecimento bastante lento, esse fato servirá para ela ficar muito mais forte. A mesma pergunta que eu fiz à uma amiga, faço para quem estiver lendo isso: você iria aguentar a Sansa ser lerda por mais 4 temporadas? Eu não. Felizmente, o cavaleiro que a salvou não foi uma espécie de Loras Tyrel, mas sim Mindinho. Levando-a para o Ninho da Águia, a ensinando a mentir e persuadir, transformando-a numa jogadora. Sansa já era bastante atormentada pelo morte de quase toda a sua família e ainda ter que casar com o filho do assassino de sua mãe e se irmão? Cruel! Mas ela está em casa e “o Norte se lembra!”. Ela está dentro da família Bolton e é de dentro que ela começará sua vingança.

Foi-me feita a pergunta “se o episódio foi tão bom, será que essa cena [do estupro] não foi desnecessária?”. Talvez sim, talvez não. É necessário mostrar o arco de Sansa, mostrar sua evolução. De choque por choque, essa é só mais uma cena tensa da série. Há quem diga que a cena foi uma descaracterização dos dois personagens (Sansa e Ramsay). Nisso eu tenho que discordar COMPLETAMENTE! Primeiro: desde sua introdução na série, Ramsay foi mostrado como um sadista psicopata. Segundo: o motivo de dizerem que foi uma descaracterização da Sansa dá-se pela cena em que ela bota Myranda (sua criada) no seu devido lugar – mostrando poder – e depois é estuprada – mostrando perder seu poder, sua imponência. Desculpa, mas uma pessoa que vai ser estuprada sabe que vai ser estuprada logo de cara? Ela até poderia ter uma ideia de que isso aconteceria, mas apesar de tudo, ela ainda é bastante inocente. Ela não iria dizer “não, não quero”; ela tem consciência da loucura do marido, sabe que desagradá-lo é a mesma coisa que pedir para morrer. Ou ela aguentava aquilo ou morria, ou pior: se tornava uma nova Theon.


Em falar de Theon, Sansa não tinha ninguém naquele momento para protegê-la. Theon foi obrigado a assistir tudo aquilo. Ela não tinha uma Brienne, um Mindinho, até mesmo sua loba por perto. Ela estava por contra própria.

Sophie Turner disse que adorou fazer tal cena. Apesar de não mostrar o ato em si, é muito doloroso de ser assistido, pelo fato de cena focar nas expressões de Theon (por sinal, todos os 3 atores da cena se saíram muito bem) e ao fundo ter o som do choro e gemidos da menina. Há quem diga que a HBO extrapolou, cagou. Há quem diga que vai deixar de assistir a série por causa disso. Pessoal, menos! Numa série onde espectadores adoram cabeças sendo esmagadas e explodidas, tortura, incesto, pedofilia e desmembramento, estupro é o de menos, não? É a morte da inocência, mas foi necessário. Há quem diga que os produtores estão, dessa forma, banalizando o estupro. Acho que devemos rever o conceito de banalização, então. A série não prega tantas cenas de estupro assim para que tal prática comece a ser desgastada e chegue a ser considerada comum. Nota-se, claramente, que à partir da 4ª temporada, o teor sexual até diminuiu.

Dos males, o menor. Sansa agora irá aprender a jogar o jogo dos tronos... Eu espero!


¹: no diálogo que antecede o estupro em si, Ramsay pergunta se Sansa é virgem ou não; a mesma reponde que é virgem.
²: segundo a 7ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 50.617 casos de estupros – segundos os novos critérios –, quanto o número de homicídios dolosos é de 47.136. Mulheres e meninas representam 88,5% das vítimas de estupro, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), divulgado em 2014. Adolescentes de 14 a 17 anos (mesma faixa etária de Sansa) representam 19,4% das vítimas.

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